Por: Patrícia Comunello
Imagine a sua empresa ter dinheiro recolhido em impostos que pode ser recuperado ou que é pago sem necessidade? No ano pós-pandemia e com danos sem prazo certo de vencimento, não dá para desperdiçar nenhum centavo, o que pode definir a sobrevivência do negócio, adverte o advogado tributarista Eduardo Bitello, diretor jurídico da Marpa Gestão Tributária.
Bitello, que é professor titular de MBA da ESPM-Sul em Porto Alegre, cita uma cifra impactante para dar ideia de oportunidades que podem fazer a diferença. Segundo o advogado, a Procuradoria da Fazenda Nacional (PFN) apurou que contribuintes poderiam ter resgatado R$ 142,56 bilhões em 2020, somente em julgamentos favoráveis no Supremo Tribunal Federal (STF).
Como saber se o negócio pode se beneficiar de algumas dessas ações? Este é só um detalhe que pode favorecer muitos empreendedores, mas que muitos desconhecem. O diretor da Marpa defende que tudo passa por uma conduta: fazer um planejamento tributário bem feito.
A pedido do JC Contabilidade, Bitello esmiuçou o próprio conselho em diversas frentes. O resultado são as dicas que estão a seguir e que podem orientar e ajudar empresas a terem um 2021 diferente, pelo menos no que depender dos empreendedores e suas equipes.
1. Planejamento tributário: o que envolve este processo e por onde a empresa deve começar?
O planejamento tributário sempre deve existir nas empresas, porque é o caminho para se pagar de forma correta e lícita, assim como uma maneira de economizar no imposto. Muito se fala da complexidade da carga tributária e que o imposto é alto. Mas, na verdade, existem muitas possibilidades dentro da própria legislação que se pode creditar, ou seja, que a empresa consegue pagar menos – alíquota zero ou reduzida. Então, o planejamento tributário serve para que um especialista, alguém que entenda do assunto, possa estudar a empresa, o regime tributário e a forma de tributação para escolher a melhor opção e fazer com que o pagamento seja feito de forma legal, com beneficio e economia tributária. Como se diz: gerar caixa ao empresário. Muitas vezes, o empreendedor está focado no seu negócio e não percebe que o planejamento tributário é uma forma de fazer dinheiro.
2. O planejamento tributário vale para qualquer tamanho de empresa?
Serve para qualquer tipo de empresa, das optantes do Simples ou por lucro presumido ou real. Logicamente, empresas do lucro real terão maior benefícios e possibilidades. Mas o planejamento tributário será sempre interessante, independentemente do tamanho. É importante que o empresário procure um especialista para verificar sua carga tributária. As empresas optantes do Simples do regime monofásico que tenham substituição tributária estão aptas a buscar, por exemplo. Isso também se aplica a segmentos: farmácias, autopeças, perfumarias, combustíveis e restaurantes. Essas empresas têm um diferencial: elas contam com a possibilidade de alíquota zero e acabam tributando de forma indevida e incorreta.
3. O planejamento tributário é válido para todos os tipos de impostos? Quais são os mais efetivos quando se pensa nessa prática?
A maioria dos impostos é federal, o que aumenta o alcance dessa gestão. Mas o ICMS também tem grande possibilidade de estudo e redução. O importante é analisar o regime tributário em que a empresa se enquadra e qual é a atividade. É um estudo bem específico. O planejamento tributário não é um software de prateleira que se compra e está disponível para aplicar. Precisa ser feito de forma estudada, caso a caso, ou seja, de forma individual.
4. Como se deve fazer a gestão do passivo: o que envolve e o que entra neste passivo?
É muito importante fazer a gestão do passivo tributário de forma assertiva, pois as empresas acabam declarando débitos, parcelando e não honrando com os pagamentos, o que poderá acarretar mais juros, ou seja, mais custos. É fundamental que um profissional especializado analise se está tudo correto, se tem prescrição ou decadência, se o débito já foi pago, se a base de cálculo está correta ou se o débito não foi cobrado em duplicidade. São questões que, se não forem bem respondidas, podem gerar uma bola de neve, com aumento do passivo. Por que este alerta é tão importante? Tudo porque a correção do passivo segue a Selic (taxa de juros básica) mais 1% ao mês. A correção é muito alta! Sem falar nos impostos que a empresa já paga todos os meses. O que é preciso cuidar: o passivo quando não é bem administrado pode gerar sérios problemas. Hoje em dia, no nosso ordenamento, é possível, por exemplo, fazer a penhora on-line da conta corrente da empresa e transferir da pessoa jurídica para pessoas físicas a responsabilidade pelo pagamento tributário. Neste último caso, pode-se arrolar os bens dos sócios da empresa, da família, que é a chamada desconsideração da personalidade jurídica. Isso reforça que a necessidade de administrar bem o passivo, equalizando com a receita. Há várias possibilidades de pagamento. Só o Código Tributário Nacional (CTN) lista 11 possibilidades, além de alternativas na esfera judicial. O governo sempre tenta se aproximar do contribuinte para equalizar o débito.
5. O que é o regime tributário e por que começar por este quesito?
O regime tributário é a forma de tributação da empresa. É como a empresa deve apurar os impostos. O enquadramento é uma obrigação da legislação da Receita Federal. É uma opção que todo contador junto com a empresa devem fazer no início do ano, até 20 ou 31 de janeiro, conforme o regime tributário. Daí a importância da escolha correta. Se a escolha for assertiva, a empresa vai pagar menos impostos. Se este estudo não for feito, a empresa pode pagar impostos a mais ou de forma errada. Um exemplo: se a empresa optou pelo lucro real em vez do simples, que tem uma carga tributária menor, vai pagar mais tributos no exercício do ano.
6. O que são créditos tributários e quais são as fontes mais adequadas para verificar essas informações e orientações ou é difícil o empresário fazer por conta própria?
Crédito tributário é uma forma do governo compensar a carga tributária elevada do País. É a forma de a empresa fazer a chamada compensação. É o sistema não cumulativo. Um exemplo: se uma empresa fez o pagamento da conta da luz e está descrito o PIS e a COFINS, pode se apropriar deste crédito. Neste caso, gera um crédito de energia. É difícil e temerário fazer este trabalho por conta própria. Se for realizado de forma errada ou inadequada, pode gerar uma verificação da Receita, uma autuação ou até mesmo uma multa de 250%. O conselho é procurar um profissional do mercado que tenha este conhecimento para evitar qualquer tipo de transtorno.
7. Como saber quais insumos podem gerar créditos?
Somente as empresas do lucro real geram créditos, que estão ligados a matérias-primas ou insumos ou bens diretos e indiretos que atingem a venda final da empresa. Por exemplo: uma transportadora de Porto Alegre que vai até São Paulo precisa abastecer o veículo, pagar o radar e o pedágio. Estas despesas geram créditos tributários. A alíquota do pedágio (PIS/Cofins) é de 9,25%. Se a empresa pagou R$ 1 mil em tarifas, pode solicitar o crédito de R$ 92,50. Tudo que a empresa utilizar para entregar o seu produto final, pode ter crédito. No regime do lucro presumido e no Simples, esta possibilidade não existe porque as alíquotas são menores do que as do lucro real. No Simples, a alíquota é progressiva, e no lucro presumido, o PIS/Cofins é de 3,75%. Como no lucro real, a alíquota é maior (9,25%), o governo dá a possibilidade de poder compensar nos insumos usados. O governo até estendeu a base de cálculo nos últimos julgamentos, considerando o critério de relevância e essencialidade para a empresa. A importância de ter um profissional qualificado cuidando disso é que ele estará atento às atualizações constantes da legislação.
8. Transação Tributária na Procuradoria da Fazenda Nacional: o que é e como saber se a empresa pode se enquadrar?
A transação tributária já estava disciplinada no artigo 156 do CTN , mas precisava de uma lei própria, que foi promulgada e publicada em 2020. A transação tributária tem algumas formas de adesão. Como o próprio nome diz: o acordo é com a Procuradoria da Fazenda Nacional e não com a Receita Federal. Ou seja, são débitos que já estão na legitimidade do órgão jurídico, ou seja, são débitos que já estão em dívida ativa sob a ordem e a guarda da procuradoria. Existem formas de transacionar: de forma individual (para débitos acima de R$ 15 milhões, a empresa deve fazer uma proposta administrativa) ou de adesão, entrando no sistema para verificar a melhor possibilidade. O mais interessante na transação é a possibilidade de maior desconto em multas e juros, que pode chegar a 40% ou 50%, dependendo de cada caso. A Receita faz um estudo, e a empresa adere. Quanto maior o número de parcelas, menor o desconto. Quanto mais rápido o pagamento, maior a vantagem. Pode chegar a 84 parcelas. Já em uma transação individual pode chegar a 143 parcelas.
9. Decisões judiciais sobre pagamento de tributos: como e onde saber se a empresa se enquadra?
Hoje são mais de 100 temas de matérias tributárias no Supremo Tribunal Federal (STF). São muitos julgamentos que ocorrem de forma mensal, semestral ou anual. A empresa tem de analisar se estas questões se enquadram ou qual o impacto financeiro para o negócio. Não adianta a empresa fazer uma ação que não teria retorno em caixa, lucro ou um valor considerável. A empresa deve contar com um profissional qualificado que possa fazer este estudo. Para a empresa, é uma grande vantagem ter ações já consideradas pagas de forma indevida pelo STF para que tenha esse benefício a fim de obter mais margem e lucro no seu negócio.
10. Estas decisões podem mudar ou se pode buscar o enquadramento sem risco de ter um dia de devolver o dinheiro?
Muitas decisões já estão pacificadas e muitos empresários não sabem disso. A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) publica anualmente tudo o que perdeu. Às vezes, o empresário tem dinheiro parado dentro da sua empresa, não tem conhecimento e perde este valor. Se a empresa não prestar atenção no planejamento tributário, vai perder dinheiro e vai deixar caixa para o governo. O risco para devolução depende. Algumas ainda precisam ser pacificadas. O profissional terá de analisar as ações para fazer a suspensão da prescrição, para poder voltar os últimos cinco anos, que é o tempo máximo permitido. Neste momento, terá de avaliar qual é a forma mais adequada: entrar com uma ação ordinária ou um mandado de segurança. O conselho é de a empresa sempre pleitear o que é devido, que é um direito do contribuinte.
11. Quais são as decisões judiciais mais impactantes que as empresas devem buscar?
São várias ações interessantes. Tem a da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins que é bem impactante. Há muitas ações envolvendo o INSS. Como se trata de verbas previdenciárias, o impacto pode ser gigantesco e atendem empresas com muitos funcionários, ajudando até a desonerar a folha de pagamento. Outra ação dá acesso ao extrato do Sistema de Conta Corrente da Pessoa Jurídica (Sincor), que não é permitido pela Receita, que apenas mostra os débitos. Se a empresa pagou imposto a mais ou de forma indevida ou ainda se teve uma base de cálculo negativa e não se apropriou, não consegue ver porque não tem acesso ao sistema. A Receita tem estes dados e só permite o acesso de forma judicial. Todos exemplos de ações citadas abrangem empresas com lucro presumido e real. O importante é fazer o estudo e análise de cada empresa, porque cada uma tem sua peculiaridade e uma ação específica para cada segmento.
Fonte: Jornal do Comércio