Por: Renata Horta
Olhando para o Brasil nos últimos anos vemos uma realidade difícil de engolir: um crescimento ínfimo próximo a 2%, enquanto as economias emergentes registram mais de 45% e o mundo 30% (segundo IBGE e FMI). Vimos os eventos e ecossistemas de inovação se recolherem em termos de conexões, um país cada vez mais desigual e sem capacidade política de prover tecnologia para resolver seus problemas. Internacionalmente avalia-se a década como “fraca” em termos da disrupção promovida pela inovação tecnológica, não diria que no Brasil foi diferente. Por outro lado, tivemos importantes avanços no ecossistema empreendedor, investimento em inovação e crescimento da cultura de inovação nas grandes empresas, através da busca pela transformação digital.
Entramos em 2021 ainda sem saber o que esperar do mundo. Enquanto as vacinas são distribuídas, observamos que as coisas não voltam ao que era antes. Isso acontece porque empresas e pessoas passaram por uma espécie de trauma, algo de intensidade que nos marca e, especialmente, muda nosso comportamento e nossa forma de dar significado para as coisas.
Nesse processo, seja causado por ele, seja acelerado por ele, movimentos que vinham crescendo ganharam intensidade. Movimentos políticos e movimentos sociais impulsionaram ainda mais as transformações pelas quais o mundo está passando. Talvez não com disrupção tecnológica, mas criando bases humanas para que elas sejam geradas no futuro.
A forma como vivemos e o significado de tantas coisas e valores sofreram mudanças: as relações sociais; o trabalho e a necessidade de presença; a economia em suas fraquezas e o impacto da desigualdade social; a saúde coletiva e pessoal em interação; as instituições públicas e privadas que transitaram em diferentes funções sociais; as ações da coletividade; as minorias, os negligenciados, o meio ambiente e nosso impacto; e até da vivência familiar ou da morte. Faz parte da sabedoria oriental e ocidental que experiências dessa intensidade nos transformam de tal forma que é impossível voltar a ser o que éramos antes. Por isso, temos um mundo em transição de valores e comportamento e 2021 será o ano em que vamos começar a decantar essas mudanças e entender o que ganha e o que perde força no mercado com elas.
Entender essas mudanças comportamentais é a chave para começar a entender o que vem pela frente. Um mundo em que as crowdcultures estabelecem novas divisões sociais, o mundo em que a maior parte dos executivos não quer voltar ao trabalho presencial todos os dias da semana, ou que reduziu drasticamente as emissões de carbono por período suficiente para vivenciar esses efeitos, é um mundo com novos valores. Um país que cresceu em número de investidores da bolsa ao mesmo tempo que cresceram os IPOs de empresas de tecnologia, um país de crowdfunding crescente, de novas leis para regulamentação de startups e investidores é um país criando novas regras de mercado. Em um mesmo ano que tivemos o maior número de unicórnios e IPOs de empresas de tecnologia, tivemos o fechamento da Ford no país – com otimismo, um sinal da transição de uma economia de commodities para uma economia mais digital.
Um mundo com novos valores é um mundo com novas regras
Temos importantes sinais de que o que vem pela frente é uma aceleração e maior disrupção tecnológica lá fora: investimentos crescentes dos governos em pesquisa e desenvolvimento, uma indústria buscando se tornar cada vez mais remota, empreendedores de tecnologia investindo em pesquisa e desenvolvimento de tecnologias disruptivas em áreas da saúde, ou energia. Adicionalmente a disputa entre EUA e China com desdobramentos tecnológicos fortes, a crescente preocupação com privacidade e segurança, fundos tradicionais e corporativos acessando o mercado de Bitcoins e fazendo com que ele se consolide, o potencial de aplicação das recentes “quebras de paradigma” científicas (como a utilização do RNA mensageiro na produção de vacinas e sua potencial utilização em outros e similares contextos). Tudo isso aponta para novos cenários tecnológicos com alto potencial de disrupção.
Então, o que temos para 2021 é o esforço em encontrar um novo caminho e equilíbrio para as coisas. O mercado se torna incerto, porque as expectativas do cliente podem ter mudado, porque novos problemas surgiram (e mesmo que eles não tenham nada a ver com seu mercado, podem mudar a ordem de prioridade do consumo, por exemplo).
Junto a isso, temos a amplificação do uso da tecnologia, que tornou nosso isolamento tolerável e muitas vezes mais rico. Aprendemos a interagir mais com ela, a usar para novas funções em nossas vidas e negócios. Vivenciamos comodidade e benefícios vindos dessa relação enquanto assistimos a ciência se superar e produzir dezenas de vacinas em menos de um ano. Esperamos mais do que vem pela frente, esperamos mais da tecnologia e de seu uso em todos os ambientes. Nós temos um papel ativo na inovação, como investidores, acionistas ou clientes e em todos esses papéis temos indicativos de mudança.
2021 um mundo em construção!
Um mundo repleto de oportunidades de novos negócios, de um novo mercado que se forma a partir dos novos meios de pagamento ou novas tecnologias de saúde. Novas empresas e serviços devem surgir.
Esse é um momento onde as habilidades empreendedoras podem gerar grandes oportunidades de carreira e negócios, mas elas não bastam. Temos hoje na liderança, uma geração de transição, que nasceu em um mundo analógico e precisa construir o caminho para o digital sem cometer os mesmos erros que geraram tantos impactos negativos no mundo – errar agora tem consequências mais rápidas e em maior escala.
Para tirar proveito de um mundo com tantas possibilidades é necessário estar alerta a essas mudanças de contexto, aprender rápido sobre as tecnologias e suas limitações e, estar muito consciente das decisões, pois somente com intencionalidade vamos, a partir de agora, corrigir rumos e construir caminhos para um mundo melhor para todos. E é esse o único papel importante que a inovação pode ter.
*Renata Horta é Diretora de Inovação e Conhecimento da Troposlab.
Fonte: Empreendedor