O cenário de corte adicional da taxa básica de juros, a Selic, entrou de vez no radar dos analistas, após o Banco Central deixar a porta aberta para uma nova rodada de afrouxamento monetário. Com projeções bastante baixas de inflação e forte queda da atividade, os economistas acreditam que as chances de mais ajustes aumentaram dada a postura da autoridade monetária, que parece estar mais centrada em indicadores econômicos e menos preocupada com o limite da queda da Selic.
O BNP Paribas adotou uma projeção de Selic a 1,5% no fim do ano, com um corte de 0,50 ponto percentual em agosto e outro de 0,25 ponto em setembro. Para os analistas do banco, o comunicado do Comitê de Política Monetária (Copom) indica uma preocupação menor com o “effective lower bound”, ou seja, o limite de queda da Selic sem gerar efeitos contraproducentes na economia.
Entre os pontos que chamaram atenção de analistas, o Copom retirou o trecho do comunicado anterior em que enfatizava a existência de limites a ajustes monetários adicionais. “De fato, nas comunicações mais recentes de membros do Copom já havia a discussão de que o limite a cortes de juros era dinâmico, em parte reconhecendo a melhora dos fatores de risco desde a reunião passada”, afirmam os analistas da Itaú Asset, que já tinham um cenário mais agressivo para Selic.
Eles ainda veem reticência do Copom com novos cortes, a exemplo da indicação do colegiado de que o estímulo dado até aqui já seria adequado para combater a crise e as preocupações com o quadro fiscal. Mas, acreditam que “o espaço de política monetária ainda é amplo” e reiteram a projeção de Selic a 1,5% no fim do ano.
No mercado de juros, na B3, a postura do Copom dá mais conforto para os investidores que já estavam posicionados para o afrouxamento monetário. O movimento de queda das taxas futuras de curto prazo – mais sensíveis a expectativas para as decisões da Selic – continuou firme na quinta-feira. O juro do contrato de Depósito Interfinanceiro (DI) para janeiro de 2021, por exemplo, caiu de 2,10% no ajuste anterior para 2,05%, a despeito da forte alta do dólar.
Mesmo algumas instituições que preferem manter o cenário de manutenção da Selic até o fim do ano já reconhecem a possibilidade de ajustes. “Do ponto de vista dos modelos de inflação do próprio Banco Central, ainda há espaço para novos cortes, com o IPCA abaixo do centro da meta em todo o horizonte relevante para a política monetária”, explicam os analistas do Bradesco. Para eles, a ausência da menção de que existe um limite inferior para a Selic também sugere que os dados ganham força nas próximas decisões.
Por ora, os analistas do banco mantêm o cenário de estabilidade da taxa em 2,25%, mas reconhecem que, “se a retomada for mais lenta do que o esperado, com inflação mantida em níveis benignos e sem pressões cambiais, o Copom poderá encontrar espaço adicional para avançar no afrouxamento monetário, ainda que em ritmo inferior” ao realizado neste mês.
Para o economista Alberto Ramos, do Goldman Sachs, as projeções de inflação bastante baixas sugerem que neste momento um corte da taxa básica em agosto tem mais probabilidade que a manutenção, caso não haja um aumento do risco fiscal ou um desempenho muito ruim do dólar. “Em geral, a diretriz futura deixa a porta aberta para um possível corte menor, dependente de dados, na próxima reunião” com movimento entre 0,25 ou mesmo 0,50 ponto, diz.
Agora, o Brasil tem um juro real negativo de aproximadamente 0,78%, considerando o novo patamar da Selic e a inflação projetada para os próximos 12 meses. Assim, o país fica na 14 ª posição dos juros reais mais baixos – ou mais negativos – dentre 40 economias, segundo cálculos da Infinity Asset.
Contudo, esse movimento, que é inédito no país, reforça a cautela de parte do mercado. O economista sênior do banco MUFG Brasil, Carlos Pedroso, alerta que a deterioração do quadro fiscal devido à necessidade de medidas emergenciais para combater os efeitos da covid-19 deve inibir novas reduções da Selic daqui para frente, mesmo no caso de piora da crise.
“O Copom deixou claro que o quadro fiscal é bastante importante para os próximos passos e, em agosto, a situação fiscal não vai melhorar. Temos a extensão de medidas emergenciais, crescimento de gastos fiscais. Uma piora da pandemia significa mais gastos. Quando olhamos o balanço de riscos, o fiscal predomina”, diz o especialista, que vê contração de 7,4% do PIB neste ano e alta de 3,4% em 2021. Já a inflação em seu cenário deve ficar em 1,7% e 3,5%, respectivamente.
Para José Júlio Senna, chefe do Centro de Estudos Monetários da Fundação Getulio Vargas (FGV), a queda de juros já atingiu o limite. “A corda já foi esticada até onde podia. E não vejo como juros menores possam compensar diante de tantos fatores limitativos da atividade”, diz. Ele afirma que a redução do juro para 2,25% ao ano foi arriscada para um país com prêmio de risco elevado.
“No mundo moderno, existe diferença entre ter taxa de juros de 2% ou 3%. Seria melhor parar em um patamar mais alto para não corrermos o risco de ficar vulneráveis numa crise no mercado de câmbio, algo que poderia desancorar expectativas de inflação”, acrescenta.
Fonte: Valor